Ugo Giorgetti
Ninguém passa indiferente. Operários, gente do povo, gente que apenas espera o ônibus, executivos, senhoras carregando sacolas cheias de compras, todos param um instante e olham. Muitos param mais tempo.
Ficam colados à grade apenas olhando, creio que esses sejam os torcedores. Não falam, quase ninguém fala. Apenas um e outro arrisca algum comentário rápido, furtivo. Não propriamente melancólicos, mas sérios. Aparecem às vezes trazendo consigo crianças e, então, crianças e adultos se perdem na mesma silenciosa contemplação. Diante deles estão as ruínas. Pedaços enormes de concreto e cimento que se amontoam, e entre esses restos, algumas partes ainda intactas da antiga e majestosa construção. Só na solidão, só quando estão vazios e abandonados é que certos espaços adquirem sua verdadeira dimensão. E o lugar parece cada vez maior a medida que máquinas e homens o destroem. Até a semana passada tudo era silêncio e abandono nas ruínas. Houve, por razões obscuras, uma pausa, uma suspensão dos trabalhos e, com os dias, as ruínas começaram a adquirir um aspecto de permanência, quase de eternidade, como um Coliseu deslocado nos trópicos. Esta semana, subitamente como tinha parado, o movimento dos destruidores recomeçou.
Os passantes, indiferentes às obras paradas ou não, seguem olhando, paralisados, em silêncio. Muitos deles talvez nunca tenham antes entrado naquele espaço. Muitos deles talvez estejam vendo esse mítico lugar pela primeira vez nessas estranhas circunstâncias, como se fossem convidados a assistir a autópsia pública de
alguém muito famoso.
Outros, porém, claramente o conheceram bem. Vejo pessoas procurando com os olhos o lugar onde costumavam se acomodar. Da rua, agora, pode-se ver tudo. Alguém teve a sinistra ideia de primeiro derrubar o que impedia a visão de quem olha da rua.
Tudo o que era apenas adivinhado, pelos gritos e exclamações, tudo o que apenas o som da multidão contava, agora pode ser visto. E as pessoas na rua olham fixamente o campo, ou o que restou dele. O gramado já não se vê mais. Um mato miúdo cresceu em primeiro plano, e nada se pode ver depois dele. Se, pelo menos, ainda restassem as traves, alguma orientação seria possível, mas não há mais traves.
Podem ser vistas ainda, ironicamente, apenas duas armações de acrílico, curvas, feias, destinadas a proteger o banco de reservas da chuva e de outros materiais mais sólidos atirados pela torcida. Sobre essas horrendas armações, bem visíveis, o nome de um patrocinador ainda nítido, como se fosse a única coisa permanente no meio de tanta coisa que se vai.
O que não deixa de ser a verdade do momento em que vivemos.
Como os outros passantes, também paro e olho. Procuro eu também o lugar em que costumava sentar. Estico o pescoço em busca dele. Não há mais nada.
Posso ver, no entanto, outros e familiares lugares. A curva majestosa sob o placar ainda está lá, suja e descuidada como um condenado à morte. No meio dela, vestígios do placar com o distintivo glorioso do clube milagrosamente intacto. Da curva, meu olhar vai para o resto da arquibancada, a antiga geral, onde se aglomerava o povão, as organizadas, no centro do campo, o melhor lugar do estádio. Parte dela se equilibra precariamente, outra parte já ruiu, simbolicamente e, de novo, ironicamente, o lugar exato onde ficava a principal torcida organizada.
Não sei o que pensar, não sei o que estamos perdendo. Mas estamos. Toda destruição é uma perda.
Talvez os peregrinos que vão até esse lugar e se apoiam na cerca olhando a devastação estejam procurando avaliar o que estão perdendo. Porque as marteladas não podem atingir as memórias e tenho certeza que diante de todos, torcedores do clube ou não, ao passar por esse lugar alguma coisa os atinge, como quem atravessa algum célebre campo de batalha, lendário, fabuloso. Lá se travaram grandes duelos, lá houve grandes vitórias, grandes conquistas e grandes derrotas. Desfilaram por lá as maiores equipes do Brasil e da América do Sul em combates inesquecíveis. Lá foi o estádio de um grande. Fica na Rua Turiaçu, Perdizes.
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